quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Obrigada Marina Silva

Obrigada, Marina, por ter dado ao Brasil mais uma chance de discutir e pensar; por ter mostrado que um presidente, mesmo popular, não garante a eleição em primeiro turno; por ter tornado a conversa mais inteligente com seus semitons, entre o vermelho e o azul; por ter elevado a agenda ambiental ao ponto de encontro de outros grandes temas nacionais.
Obrigada pela alegria do discurso em que comemorou os resultados eleitorais que não a levaram para o segundo turno. Foi uma aula de política, num país onde a política anda tão deseducada. Por ter lembrado a questão mais fundamental em qualquer democracia: o eleitor é dono do seu voto. E por ter alertado os dois candidatos que continuam na disputa, Dilma Rousseff e José Serra, que eles têm agora um privilégio e uma responsabilidade.
Marina foi o estuário onde desaguaram vários tipos de votos: os descontentes, os fiéis, os esperançosos. Esse grupo, com sua diversidade, vai decidir a eleição. Certamente vai se dividir, não irá todo para um lado só, porque é da natureza desse grupo a inquietação com o automatismo, com o comando único, com as certezas prévias.
Dilma Rousseff, se quiser transformar seu favoritismo em vitória, terá que aprender algumas lições com Marina. Primeiro, a humildade (ela não conhece esse termo); segundo, a ser natural e não um produto do marketing político (que aliás, só chegou onde chegou porque foi apadrinhada por Lula); terceiro, entender afinal do que Marina está falando quando se refere à conciliação entre economia e ecologia. Esse talvez seja o desafio mais difícil para quem, como Dilma, acredita no modelo de obras dos anos 70.
Marina deu uma lição também aos analistas que tantas vezes disseram que ela era a candidata de uma nota só. E a lição é que o desafio ambiental e climático não é um modismo, um nicho, uma nota. É o pano de fundo de qualquer proposta verdadeiramente desenvolvimentista. O verde de anos atrás defendia espécies ameaçadas. Elas continuam precisando de proteção, mas o verde hoje tem urgências mais amplas. Mudou de patamar. Nenhum planejamento estratégico em empresas, organizações, países pode ignorar essa questão. É uma nova lógica à qual todos os outros projetos — da logística à reforma tributária, da educação ao planejamento urbano, da energia ao financiamento público — têm que se adaptar. É isso ou não ter futuro. Simples assim.
Essa eleição deixou muitas lições. Primeiro, que pesquisa é pesquisa e urna é urna. Segundo, que é preciso rever também a certeza de que um candidato com menos de um minuto e meio de televisão, um partido pequeno e sem capilaridade não é competitivo. Terceiro, que o Brasil é plural e desafiador. Aécio Neves deu uma imensa demonstração de força em Minas Gerais, mas, em Belo Horizonte, Marina teve mais votos para presidente, e, no estado, a vencedora foi Dilma Rousseff. Aécio tem que ir além do esforço pelo seu grupo. O Rio Grande do Sul elegeu Tarso Genro no primeiro turno, mas deu mais votos para presidente a José Serra. Tarso tem o mesmo desafio de Aécio. O Distrito Federal, que deu à Marina o primeiro lugar para presidente, levou a espantosa mulher de Roriz para o segundo turno. O DF tem ainda a marca do atraso clientelista. Mesmo com sua altíssima popularidade, 70 comícios e a máquina pública, o presidente Lula não conseguiu eleger Dilma no primeiro turno e perdeu nos dois maiores colégios eleitorais do país. O PMDB, nunca competitivo para a Presidência, continua a maior força no Senado, mas encolheu na Câmara. Há outras forças políticas, mas a bancada do PR puxada por Tiririca e Garotinho é um sinal de que a representação política pode sempre ficar pior. O olhar atento revela que nenhuma generalização é possível e que o quebra-cabeças que sai da urna é mais matizado do que o previsto.

Os institutos de pesquisa precisam renovar suas amostras e metodologias. Mesmo os mais eficientes erraram muito. E o erro não é neutro, ele produz fatos políticos. Qual é a influência de semanas a fios de pesquisas repetindo que Dilma ganharia no primeiro turno, Serra estava em queda ou estagnado, e Marina mal saía dos 10%? A explicação universal de que pesquisa é apenas uma fotografia é insuficiente. O cientista político Jairo Nicolau lembrou no seu blog Eleições em Dados que, na Inglaterra, quando os institutos previram vitória trabalhista e deu o conservador John Major, em 1992, eles montaram uma força-tarefa para entender os erros.
Dilma está mais perto de pôr a mão na taça do que Serra. Isso é até matemático. Mas a candidata governista falou num tom de desalento, de forma burocrática, cercada de homens abatidos. Ao contrário de Serra e Marina que falaram cercados por suas militâncias. Os próximos 26 dias serão intensos. Mas a pessoa que for eleita poderá agradecer a Marina Silva: sairá mais legitimada após essa segunda chance.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário